MEDIDINHA CERTA

Em abril de 2012, Marcio Atalla entrou em contato comigo por indicação da equipe de professores que coordenam o Curso Comunitário de Atividade Física e Controle Alimentar da Escola de Educação Física e Esporte da USP para propor o atendimento de pessoas que estavam aos seus cuidados, como educador físico, no simpático programa Medidinha Certa, do Fantástico, na TV Globo. (Ver mais sobre o programa) A proposta dele, apresentada a mim como coordenadora dos atendimentos de psicanálise do Curso em documento escrito, foi não apenas de realizar os atendimentos, mas também de levar a público os cuidados com o sobrepeso que preconizamos neste projeto da Universidade, sem fórmulas miraculosas, mostrando os esforços e o tempo empenhado pelos pacientes e profissionais no processo. O trabalho na USP é baseado no tripé: atividade física, nutrição e psicanálise. A proposta de tratamento desenvolvida na Universidade é não invasiva, de baixo custo comparado e de resultados duradores na vida dos pacientes. Ciente disso, Marcio quis que os três campos de incidência fossem expostos. Era preciso indicar a ocorrência do trabalho em psicanálise. É entusiasmante ver um tema de alta importância para a saúde nacional, reconhecido pela OMS como problema de atenção mundial, posto em questão de forma simples e clara, em horário e canal de relevância da mídia de massa brasileira. Fiquei muito contente de poder colaborar. Porém, como todos sabemos, não se pode levar a público nenhum aspecto da clínica psicanalítica. Tendo refletido bastante a respeito, e sendo a proposta do programa de uma interação com os participantes, decidimos organizar essa delicada participação sob uma série de termos que propus, e Marcio Atalla assinou. (ver mais aqui)

NÚCLEO DE CRIAÇÃO :: NEWSLETTER 2


SEGUNDO CICLO :: 2010

UMA OUTRA VOLTA

A segunda rodada de apresentações do Núcleo trouxe projetos pessoais de cada um dos integrantes e nossos primeiros estudos de caso, de processos criativos selecionados pelo encanto. Martha Nascimento abriu o ciclo com um olhar sobre a moda e os costumes: do jeans à burca, ela percebe a lógica da identificação coletiva, os constrangimentos morais, a tradição cultural e a polêmica da sensualidade entre expor e cobrir o corpo. O trabalho de Martha tornou-se, para ela, uma publicação internacional, e desdobrou novos estudos sobre o blue jeans no Núcleo. Frederico Carvalho Junqueira realizou uma palestra interativa, para discutir o trabalho dos estúdios Disney de animação e a criação 3D contemporânea – ele investiga o conceito por trás do enredo, o enredo por trás da imagem. Jordana Simonaggio e Vanessa Tiemi Doi apresentam trabalhos introspectivos. Questionam a própria apresentação pessoal, a qualidade de sua espontaneidade, a angústia de quem se propõe a falar de si e experimenta buscar como e o quê dizer. Descobrem censuras. Doda Ferrari, responsável pela arte final do primeiro projeto externo do Núcleo de Criação – o projeto BLUE - desenvolvido com orientação presencial de Lincoln Seragini, mostra à turma o desfecho do trabalho iniciado por nós em pesquisa colaborativa. O jornalista Paulo Piza estuda as possibilidades e perspectivas do jornalismo institucionalizado. Expõe à turma diferentes estilos jornalísticos, discute verdade e qualidade literária, nuances da relação entre foto e texto, e a tendência da notícia online. Pesquisamos o Núcleo para constatar que a principal fonte de notícias para esta turma é o twitter. Ana Naccarato considera o fascínio do romance contemporâneo como gênero literário, uma de suas raras preferências pessoais – aponta especialmente o trabalho do autor Nicholas Sparks (de Nights in Rodanthe) e seu desdobramento no cinema. A caminho da conclusão, assistimos à erudita apresentação de Ciro Visconti, que analisa e interpreta os primeiros 20 minutos do filme 2001 – Uma odisséia no espaço, de Kubrick, sobre a criação do mundo e o início da cultura, em paralelo a uma discussão das condições de composição e criação na música erudita e no cinema. O fechamento do ciclo acontece no retorno de Vanessa Tiemi Doi, que apresenta agora, em detalhes, o processo criativo, o trabalho e a história do baterista Aquiles Priester, fundador da banda Hangar no Brasil e considerado uma das maiores estrelas da bateria mundial – Vanessa acompanha a banda e é responsável por alguns de seus mais recentes projetos gráficos, de publicação mundial.

ALTERNÂNCIAS

1. Inspiração 2010! A convite de João Batista Ferreira, empresário e consultor especialista nas relações entre design e varejo (membro do comitê diretor do Retail Design Institute e do ICSC – International Council of Shopping Centers), como parte do projeto BLUE!, que foi promovido por ele no Núcleo de Criação, os integrantes foram convidados a assistir ao exuberante evento de design de varejo Inspiração 2010!. Em sua 4a edição, o encontro trouxe Phillip Rosenzweig, responsável mundial pelo Visual Merchandising para a Giorgio Armani Corp., e Oscar Peña, diretor de criação de iluminação da Phillips Design em Eindhoven, Holanda, e membro do comitê supervisor da Droog Design. Entre os destaques nacionais, Manoel Alves Lima, da F.AL (empresa promotora do evento), apresentou seu Diário de Bordo de Visual Merchandising, mostrando extrema sensibilidade à composição de linguagens fragmentárias, própria ao tempo atual. Lincoln Seragini, da Seragini Design, mundialmente reconhecimento pelo desenvolvimento de marcas e embalagens, lança a noção de marcas visionárias e mostra o modelo de raciocínio que utiliza para construí-las. Marimoon, blogueira e jornalista da MTV, coordenou um painel com Caito Maia, da ChilliBeans, e Paulo Pedó, da Melissa, sobre as peculiaridades do Consumidor Y. O Núcleo pôde conversar com os palestrantes e firmou relacionamentos preciosos.

Com Philip Rosenzweig, do grupo Armani, uma tarde inteira de conversas decorreu, com Andréa Naccache. Rosenzweig defendeu, em sua palestra, que havia algo “louco” no consumo de luxo. Para distinguir a histeria que leva as pessoas a buscarem grandes marcas, da “loucura” mais extrema que é a publicação do objeto de luxo – sempre fora dos parâmetros de mercado e excedendo qualquer demanda – Andréa Naccache apresentou a Rosenzweig o esquema dos quatro discursos de Jacques Lacan: discursos da obsessão, da histeria, do mestre (psicótico) e do analista. Defendeu o caráter psicótico da publicação do objeto de luxo e o quanto o discurso do analista precisa estar presente no cerne da criação deste produto extremo. A troca de e-mails é mantida.

Com Oscar Peña, até a data presente, uma infinidade de temas sobre gestão da criação no ambiente corporativo foram discutidas por telefone e e-mail com Andréa Naccache. Também o futuro do design brasileiro, suas oportunidades globais. Oscar Peña defende especialmente a qualidade do luxo nacional. A conversar...

Inspiração 2010! Público: 430 pessoas de 235 empresas.
Hotel Renaissance, São Paulo. 5 de maio

2. Uma Experiência do Limite. Após a visita ao restaurante Kinoshita no ciclo inaugural, este ciclo II trouxe uma nova atividade para os sentidos, uma segunda experiência da prática material de criação. Com direção da arquiteta Alessandra Suguimoto, e inspiração no documentário Esboços de Frank Gehry, estudado no Ciclo anterior, experimentamos a arquitetura a partir da maquete – sob a noção de que a criação acontece apenas a partir da definição, pelo criador, dos parâmetros estritos de seu trabalho. Isso acontece em todo trabalho que expanda os extremos da linguagem humana (e que portanto podemos definir como criativo): é preciso escolher a linguagem e o material, sob ao menos três critérios, para que haja possibilidade (condição mínima) de criação. Reconhecemos como importante essa experiência da pré-definição de limites, e os determinamos, nesse projeto. A proposta foi: (1) maquete, (2) material: papel metalizado, (3) projeto arquitetônico coletivo de um centro de cultura, onde as formas criativas se articulassem em torno de um núcleo de música e performance pública. Nosso projeto, realizado a quatorze mãos, será agora traduzido para os recursos de expressão da arquitetura tradicional (planta, descritivos) pelo escritório da arquiteta Alessandra Suguimoto.

3. Um estudo de psicanálise e criação. Neste ciclo, o tema é O Design da Emoção, palestra de Andréa Naccache apresentada na Associação Brasileira de Design de Interiores, ABD, em 16 de junho de 2010, como abertura do CONAD – Congresso Nacional de Design de Interiores. No Núcleo, esta palestra que comenta o estudo de Roberto Verganti (no livro Design Driven Innnovation, pesquisa realizada em Harvard) sobre a inovação baseada no significado foi detalhada e debatida. Um dito tradicional no mundo do design é “a forma segue a função”. Verganti coloca este fundamento de Louis Sullivan em discussão, para concluir que “a função segue o significado”. A proposta de Andréa Naccache é que a inovação de significado não é suficiente para explicar a radicalidade de trabalhos como o do arquiteto Frank Gehry ou dos designers Fernando e Humberto Campana, no Brasil. A questão do significado e do que o excede é bastante incidente na clínica de psicanálise, pela qual se pode apontar uma outra modalidade de “forma”, que, em princípio, nada tem a ver com a função e está além do significado – uma forma criativa que se define pela libido do corpo, não pelas medidas de ergonomia e engenharia de produtos. Essa distinção de “formas” – uma técnica, outra artística – ressoa a diferença, no idioma alemão, entre duas palavras para “corpo”- Körper e Leib. O primeiro é o corpo médico e mensurável, físico-químico, equivalente epistemológico da forma técnica e de engenharia, aplicada no design tradicional de produtos. O segundo termo alemão para corpo é Leib, e refere-se ao corpo sensual e desejante – em alemão, será esse o termo usado para falar de um espetáculo de ballet, dos movimentos do amor, da relação com as artes. Andréa defende que, mesmo que Gehry explique seu trabalho com imagens significativas, psicológicas, como fantasias infantis (ele fala sobre seus sonhos com peixes), permanece inexplicável a forma dada pelo seu corpo na criação das maquetes (Leib). É dessa forma libidinal e, no limite, não-significável, que a extrema novidade decorre. Com isso, Andréa apresenta um contraponto quanto à postura de empresas italianas como a Alessi que, apostando na psicologia e na interpretação de significados dos objetos pelo consumidor, busca acertar o desejo “mais profundo” das pessoas. Alessi consegue acertar, diz Andréa, não pela maneira como compreende seus projetos, mas sim porque permite o além do significado, ao convocar criadores capazes de suportar a angústia de um mergulho criativo radical, baseado no Leib.

O PROJETO BLUE!

Neste ciclo, um dos objetivos especiais do Núcleo Clínico teve sua primeira realização: atender a um cliente externo, atuando como agência de desenvolvimento de design e conceito, com orientação psicanalítica, oferecendo um processo criativo confeccionado para extrapolar o alcance do convencional brainstormingou das análises psicológicas e simbólicas.O grupo teve por cliente a J2B Innovation, de João Batista Ferreira, para o desenvolvimento sigiloso de uma marca, seu manifesto, o estabelecimento de objetivos de vanguarda e uma linha de comunicação gráfica para um negócio, sob a direção de Lincoln Seragini. O trabalho, com três meses de duração, envolveu a integralidade dos participantes neste primeiro projeto remunerado, e foi concluído com arte de Doda Ferrari. O processo criativo do grupo, que ofereceu a Seragini, entre outras ferramentas, um material inspiracional de mais de 30 páginas sobre a cor azul, considerando suas aplicações desde a química aos simbolismos culturais, e estudos sobre o espelho, as alternâncias entre dia e noite, sonho e realidade, luz e sombra, reflexos e reflexão, foi considerado por Seragini um dos mais ricos e competentes já presenciados em sua carreira internacional – o escritório de Seragini já operou em parcerias com Buenos Aires, Milão, Miami e Paris, e Lincoln é consultor em design da ONU.

1o. ENCONTRO NÚCLEO CLÍNICO + NÚCLEO DE CRIAÇÃO

Com o tema Princeton e a pesquisa matemática nos últimos séculos, o Núcleo de Criação, junto ao Núcleo Clínico em Psicanálise, receberam, em 31 de agosto, o matemático brasileiro Emanuel Carneiro, que aos 29 anos tornou-se professor em Princeton, universidade que acolheu Einstein, onde trabalham John Nash (Uma Mente Brilhante) e Andrew Wiles - que fez a prova do último teorema de Fermat, desafio dos maiores matemáticos da humanidade pelos últimos 350 anos. A descontraída conversa com Emanuel ajudou a situar o contexto e os objetivos do pensamento matemático, expondo a pesquisa matemática como processo radicalmente criativo, questionando verdade, vocação, utilidade e futuro do trabalho do matemático em geral e de Emanuel, pessoalmente. Nossa preparação para o encontro, em 26 de agosto, envolveu as leituras de Hardy – A Mathematician’s Apology – e de trechos de Simon Singh – “O último teorema de Fermat”, além de uma apresentação do filme “Fermat’s Last Theorem”, com apontamentos sobre a história de Andrew Wiles. Em nome do Núcleo de Criação, um carinhoso agradecimento a Emanuel, pela maneira alegre, clara e franca como expôs sua história, suas reflexões de vida e um senso do que é o universo de pesquisa matemática de excelência mundial.

PRÓXIMO CICLO

Abrimos inscrições para o próximo ciclo do Núcleo. Nesse trimestre, os trabalhos dos participantes serão sempre em duplas, em duas rodadas, uma de temas em aberto, para escolha das duplas, e outra com as duplas sorteadas para tratarem os seguintes temas: I – Autocrítica, II – Impermanência e construção, III – A relação com o outro e com o Outro, IV – Dinheiro e criação. A introdução de temas especiais indica um esforço de aprofundamento e qualificação dos trabalhos, que é objetivo do Núcleo deste ciclo em diante.

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PRIMEIRO CICLO :: 2009-2010

UMA VOLTA

Um primeiro ciclo. Uma apresentação. A inauguração do Núcleo foi organizada em torno de projetos pessoais de cada um dos integrantes, para que nós nos conhecêssemos. Vimos a construção de um curta de animação, o trabalho apaixonado de Frederico Carvalho Junqueira, que mostra como executou o argumento do filme, a roteirização, a modelagem dos personagens, o movimento, a composição do áudio, a interpretação de voz, e edição. Em seguida, Claudio Bichucher ensina a especialidade da produção musical e de áudio. Somos introduzidos à lógica das mesas de som, softwares de gravação e efeitos especiais, aos métodos de afinação e preparação da sonoplastia de espaços (até os estádios de futebol). Doda Ferrari, em nosso terceiro encontro, expõe o raciocínio de construção de uma campanha publicitária, discutindo um caso em especial, sua crítica, e sinalizando algumas possibilidades de análise cultural e humanística da campanha. Vanessa Tiemi Doi abre o ano de 2010 com um estudo da dúvida e da angústia no processo criativo, observando referências da psicanálise de Jacques Lacan. Fábio Garcia expõe a arquitetura de um negócio de marketing digital, seu trabalho de mais de um ano no estabelecimento dos contatos e contratos, na escolha das formas de divulgação de um empreendimento abrangente para as mídias digitais. No encontro seguinte, Martha Nascimento mostra a lógica de seu trabalho em estamparia, defendendo um processo criativo aberto a estímulos em qualquer campo cultural, questionando o senso de tendências ou da leitura de comportamentos. Concluímos o ciclo com a apresentação do projeto social Lar do Caminho, por Jordana Simonaggio. Responsável pelo entretenimento cultural de crianças entre seis e sete anos, conduzindo-os em passeios pela cidade e convocando novos colaboradores, Jordana nos faz pensar a ligação que existe entre o trabalho criativo e as ações sociais contemporâneas.


ALTERNÂNCIAS

Se cada ciclo de nosso Núcleo envolve a apresentação de um trabalho ou pesquisa por cada participante, como base, há também quatro atividades que escapam à freqüência lógica de nossas reuniões.

1. Uma visita cultural por trimestre, leva-nos a exposições, bibliotecas, ateliers, palestras. Começamos, neste ciclo, assistindo à performance do grupo Dr. Sketchy Anti Art School – em que artistas fazes poses para desenho. Com carvão e lápis, o grupo se reuniu por algumas horas para que os mais experientes nos ensinassem o desenho de modelos vivos.

2. Um filme. Nossa primeira sessão foi com o formidável documentário de Sydney Pollack, Esboços de Frank Gehry. O trabalho exuberante do canadense Gehry é exposto em meio a uma conversa franca sua com o amigo Pollack, em que discutem inseguranças, ímpetos, decisões de vida deste arquiteto considerado por muitos o mais marcante traço de nosso tempo, autor do prédio de artes do MIT, em Boston, do Museu Guggenheim de Bilbao, do Vitra Design Museum alemão. Vemos o dia-a-dia do escritório de Gehry, e descobrimos seu trabalho completamente suportado pela prototipagem em maquete (será tema de palestra no próximo ciclo)

Ver trailer do filme

3. Uma experimentação gastronômica. Nossa prometida degustação foi promovida a toda a experiência de um almoço no restaurante Kinoshita, pela delicadeza na recepção do chef Murakami e de sua equipe. Indicado sucessivamente, nos últimos anos, por diversos críticos e revistas, como uma das mais importantes propostas criativas na gastronomia do país (Murakami já foi considerado chef do ano pela Veja e pela Prazeres da Mesa, por exemplo), o Kinoshita é um restaurante que inova sobre a tradição da cozinha “kappo” japonesa – a comida de sensações, que respeita as estações do ano e a regionalidade. O chef nascido em Hokkaido e formado em restaurantes de Tóquio, Nova Iorque e Barcelona, serviu-nos pratos especiais e, ao final, contou-nos pessoalmente sua história e o sentimento que o move na criação culinária. Iniciamos uma conversa sobre análises da cultura japonesa, como a de Roland Barthes, que o chef aprecia, “O império dos signos”, com a perspectiva de seguirmos esta interlocução com Murakami no Núcleo ou em um próximo almoço no Kinoshita.

(ver um depoimento de Tsuyoshi Murakami)

4. Um estudo de psicanálise e criação. Neste ciclo, o tema foi Fantasia cria realidade, em palestra de Andréa Naccache. Nela, estudamos um pouco a mudança de valores sobre o conceito de fantasia ao longo do século XX. Se ela já foi muito vista como uma ruptura com a realidade, esta perspectiva ainda assombra pensamentos conservadores – a fantasia como vizinha da loucura, que seqüestra a pessoa da vida conseqüente e responsável. É um ponto de vista que fundou alguma tradição psiquiátrica e a crítica aos recursos de realidade virtual, até hoje – como, por exemplo, a condenação de relacionamentos estabelecidos em ambientes lúdicos como o Second Life.

Passamos pelo pensamento oposto, a defesa da fantasia, em obras como “A vida é sonho”, teatro de Calderón de la Barca, de 1635, e textos de Coleridge, no século XIX. Olhamos por um instante grandes viradas na concepção científica da realidade, como a revolução copernicana (que nos ensinou que a Terra gira em torno do Sol, e não o suposto inverso) e a visão da ciência como falseável, por Karl Popper. Vimos um pouco da construção da realidade moderna, com Descartes, Bacon e Wittgenstein. Examinamos o texto de Freud “A perda da realidade na neurose e na psicose”, de 1924, e indicamos por qual caminho a psicanálise freudiana nos permite perceber qualquer construção de realidade como imbuída de fantasia, porém com uma sinalização importante: faremos nossa realidade sobre as fantasias de medos e sintomas neuróticos, ou saberemos alçar nossos desejos ao mundo? Essa questão foi posta a partir de leituras sobre como a neurose obsessiva pode propor um mundo todo feito de muros e barreiras. Encerramos observando importantes trabalhos de transformação da realidade contemporânea através do design, pelo livro Massive Change, de Bruce Mau.


O COLETIVO É SUJEITO DO INDIVIDUAL

Talvez fosse uma surpresa encontrarmos um trabalho social no fechamento de um ciclo de projetos de criação. Apenas talvez. Constatamos, ao contrário, ouvindo Jordana Simonaggio, que se a última década despertou formas de criação sensorial – enfatizando o valor dos processos criativos e de seus frutos, na gastronomia, na moda, no design, na arquitetura, nas artes diversas que suportam um mercado de entretenimento e cultura em intenso crescimento – precisamente ao mesmo tempo, alguns projetos sociais passaram a despontar sem a tonalidade tradicional da caridade. Assumiram a forma de participação e experiência. Entre os jovens, o opção pelo trabalho criativo aparece da mesma maneira que a escolha do trabalho voluntário ou do empenho profissional em projetos sociais.

Em nossa última reunião do ciclo, dedicamo-nos por um momento a procurar fatores que aproximem a criação singular – esta com que trabalhamos no Núcleo – ao projeto social. A questão posta ao grupo foi: em quê os projetos sociais participativos atraem da mesma maneira que a criação? Eis as primeiras conclusões:

(i) Em ambos a pessoa se dispõe a intervir no mundo, moldar sua realidade. Fazer diferença para outros, singularmente. Entendemos que há singularidade no projeto social participativo porque a escolha da ação em que a pessoa se envolve costuma ser bastante pessoal. Jordana gosta de estar com as crianças, e discute especialmente a idade do grupo, por motivos que ela reconhece serem dela – não a constatação de que, eventualmente, aí o trabalho fosse mais necessário.

(ii) Percebemos que o trabalho com crianças proporciona a experiência da espontaneidade e do acaso que agradam tanto o trabalhador social quanto o criativo. A forma de curiosidade e os caminhos de entretenimento ou aprendizagem percorridos pela crianças possuem a mesma lógica do trabalho criativo. Analogamente, projetos sociais que envolvem esportes, difisão de arte e cultura ou lazer captam outros ou os mesmo aspectos do trabalho criativo.

(iii) Tanto o criador como o trabalhador social participativo talvez persigam uma experiência de limite e diferença no encontro com o outro. Em ambas as atividades, um empenho de alguma característica muito pessoal do trabalhador o coloca em xeque diante do desafio de atrair ou envolver o outro. O limite também é encontrado na escolha das matérias e dos materiais ao trabalho, que pedem soluções peculiares e surpreendentes – tanto a criação quanto o trabalho sociais está condicionado pelas limitações do material.

(iv) Aspecto em comum das duas atividades: sensualidade – a aplicação não apenas de uma produção intelectual, mas dos sentidos. Mesmo que o criador possua uma equipe que executa sua criação, ou o trabalhador social tenha colaboradores que colocam a mão na massa, a participação envolve sempre decisões sensíveis, que contam com a história de vida da pessoa, seus referenciais e sua herança estética e afetiva. Se um criador se envolve em um projeto sobre o corpo ou sobre a técnica industrial, se um trabalhador social vai ajudar crianças pessoalmente ou opina na composição de um website, jamais será pessoalmente indiferente.

(v) Encontramos nestas atividade, pela sensualidade envolvida, muito comumente, um despojamento da auto-imagem – a pessoa se coloca em situações em que ela não sabe como parecerá. Envolvida de “mãos na massa” em uma atividade às vezes por horas ou dias, há uma perda do cálculo da própria imagem. (Podemos pensar como outros trabalhos guardam, ao contrário, uma grande vaidade da imagem). Uma boa referência é pegar piolho das crianças. O trabalho criativo, na maquete, na pintura, no corte e costura, em uma construção em madeira ou cimento, na cozinha, mesmo na noite virada diante de um computador, também não são indulgentes com a imagem do criador. O criador e o trabalhador sociais se confundem com o trabalhador braçal, ou passam tempo nas condições mais simples, ou buscam o contato com quem não necessariamente admiram, com o diferente, com o que não gostam, colhendo dali às inversões de ponto de vista e a percepção das próprias limitações, que instigam e enriquecem sua experiência.

(vi) Tanto o trabalho criativo quando o social participativo requerem do envolvido um empenho imprevisível de tempo, uma abertura às condições da atividade, que se mostram espontaneamente. Muitas vezes (a menos que o limite de tempo faça parte da atividade) é preciso abandonar o cálculo milimétrico de aproveitamento do tempo, nessas atividades.

(vii) Enfim, vimos em ambos os trabalhos o sentido de herança cultural – a percepção dos envolvidos de que produzem com o que receberam em sua história de vida – e retribuição. Há um compartilhamento cultural sem compromisso, um senso de participação tal qual o de redatores da Wikipédia ou programadores do Linux. O criador usa as marcas que os outros lhe deixaram para deixar sua marca. O trabalhador social, mesmo que em outro sentido, também retransmite, de maneira elaborada e pessoal, o que recebeu da sociedade.

Por esses aspectos, tanto o trabalho criativo quanto o trabalho social participativo fazem lembrar palavras de Jacques Lacan sobre Freud: “o coletivo não é nada, senão sujeito do individual” (no texto “O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada”, do livro Escritos, de 1966).

Podemos pensar que o coletivo é composto de singularidades incalculáveis e que ele, como herança cultural, está na base de qualquer singularidade. Isto garante para o criador que seu trabalho, ainda que profundamente íntimo, seja marcado pelo outro e sempre toque o outro, desde que publicado. Todo trabalho criativo é trabalho social, e todo trabalho social participativo e sensualizado (que use os sentidos) é trabalho criativo. A condição para que ele funcione assim e tenha interesse coletivo é escapar minimamente à simples cópia, à repetição de fórmulas. Se possível, mais que minimamente...

Participantes presentes na reunião em que realizamos essa análise e colhemos as conclusões: Jordana Simonaggio, Frederico Carvalho Junqueira, Doda Ferrari, Fábio Garcia, Vanessa Tiemi Doi.


O PRÓXIMO CICLO

Abrimos inscrições para o próximo ciclo do Núcleo. Nesse trimestre, os trabalhos dos participantes serão apresentações de alguma criação cultural que os encante (não há restrição de campo ou tema) mostrando elementos da biografia do criador e de seu processo criativo. Queremos conhecer paixões dos participantes, em análise mais aprofundada. A palestra de estudo psicanalítico, por Andréa Naccache, terá por tema A paixÃo do material imponderável - Sobre a arquitetura de Frank Gehry, o design de Fernando e Humberto Campana, expressões da moda e da cozinha em que a manipulação do material permite um processo criativo sem visão do todo. A visita, a experimentação gastronômica e o filme estão em fase de definição, entre alternativas tentadoras.


Direção :: Andréa Naccache

Direção de Fluxo e Engajamento :: Vanessa Tiemi Doi

ARTIGOS EM PDF

Desde dezembro de 2009, uma seleção de artigos e estudos está publicada em pdf. Entre eles, é tratada a noção médica de saúde, o senso de risco no Ocidente, a criação em design, livros e filmes, temas da vida cotidiana como trabalho, paternidade e dinheiro, em pontos que podem ser tocados pela psicanálise. (ver mais)
NÚCLEO DE CRIAÇÃO
:: Inscrições em 2010

Consideramos que o trabalho criativo é uma ética de vida. Rever possibilidades. Abrir mão de categorias de pensamento comuns. Recomeçar sempre. Arcar com as conseqüências de cada decisão. Incorporar o acaso, a surpresa e a resistência. Saber-se responsável por dar-se limites.
No NÚCLEO DE CRIAÇÃO o trabalho criativo não é imposto profissionalmente ou voltado a um diploma. É a insistência de cada um dos participantes em exceder os próprios obstáculos. Em qualquer profissão ou empreendimento, recusar justificações para a desistência. Tratar as próprias condições de relacionamento e trabalho para captar, do contato com o grupo, o melhor estímulo.
Este Núcleo, de fundamento psicanalítico, não acata explicações do malogro. Recebe pessoas interessadas na pesquisa cultural e criativa, para que ponham seus trabalhos à prova diante de si mesmos, e a sucessivas provas, aprimorando a qualidade das questões tocadas por sua criação. É o único grupo de criação auto-gerido de que temos notícia: o crescimento e a vida das turmas são promovidos pelos próprios integrantes. A orientação psicanalítica é de Andréa Naccache.

Contato:

NEWSLETTER do Primeiro Ciclo, de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010 (ver).
NEWSLETTER do Segundo Ciclo, de março de 2010 a agosto de 2010 (ver).

Estudo da vida criativa

Em 2006, este trabalho nasceu baseado na observação clínica e em uma pesquisa com o chef Alex Atala, os designers Fernando e Humberto Campana e o designer de moda Jum Nakao. A conversa com eles tornou-se um livro (em fase final de edição) e uma proposta clínica introduzida à comunidade de psicologia e psicanálise em 2008 e difundida em palestras diversas, entre 2008 e 2009. Em virtude desta pesquisa, veio o convite de empresas para trabalhos associados à criação, como a conceitualização do evento “O extraordinário cotidiano”, para o grupo Whirlpool KitchenAid; a curadoria do segmento PENSAR DESIGN da Semana de Design de São Paulo – VIVER DESIGN EM SÃO PAULO, em 2008, junto à Prefeitura da cidade, e uma aplicação de princípios psicanalíticos ao design de interiores, iniciada junto à ABD – Associação Brasileira de Designers de Interiores.

Em 2009, o estudo levou a uma visita ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), para cursos de aprimoramento em processo criativo nas áreas de arquitetura empresarial e design industrial. Foi também formado o NÚCLEO DE CRIAÇÃO - um grupo de estudos de processo criativo com orientação psicanalítica, que está em atividade continuada, desde então.

PROGRAMAÇÃO












2010
Palestras e cursos

:: Palestra O DESIGN DA EMOÇÃO: Quando a forma excede a função. Abertura do CONAD, ABD. São Paulo, AMCHAM.
16 de junho.

:: NÚCLEO DE CRIAÇÃO: reuniões quinzenais sobre a ética do trabalho criativo. Atividades continuadas. Inscrições abertas (ver mais informações) NEWSLETTER do Primeiro Ciclo, de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010 (ver). Ciclo II, de março a agosto de 2010 (ver).

:: NÚCLEO CLÍNICO EM PSICANÁLISE: inaugurado em março de 2010, aborda os quadros clínicos da obsessão e da histeria. Inscrições abertas (ver mais informações)


2009
Palestras e cursos

:: NÚCLEO DE CRIAÇÃO: reuniões quinzenais sobre a ética do trabalho criativo. Inaugurado em novembro, atividades continuadas.

:: Palestra "Paixão pela Chuva: O processo criativo em design com olhar psicanalítico"
SENAC Piracicaba - Design Essencial 2009
16 de setembro.

:: Reedição da Oficina de Criação no DRC, com dois novos temas: "Designs de transformação" e "Identidade e identificação criativa".
24 e 31 de março, 7 e 14 de abril.

:: Palestra "A Vida dos Outros", no III Encontro de Coordenadores e Professores da ABD - Associação Brasileira de Designers de Interiores.
Em Campos de Jordão
8 de maio.

:: Palestra "Desfuturologia", no Simpósio 2009 da ABD - Associação Brasileira de Designers de Interiores: O Futuro e o Consumidor.
Na Escola Panamericana de Artes.
19 de maio.

:: Palestra "Parceria de Propósitos - Medicina e Psicanálise".
Equipe médica do Professor Albino Sorbello.
26 de maio.


Sumário de atividades recentes em destaque:

2010 :: Inauguração do NÚCLEO CLÍNICO EM PSICANÁLISE, com os temas Obsessão e Histeria para primeiro e segundo semestres.
2009 :: Inauguração do NÚCLEO DE CRIAÇÃO
2009 :: Pesquisas e palestras sobre Design de Interiores, junto à Associação Brasileira de Designers de Interiores - culmina na participação, como jurada, da 13a Edição do Prêmio ABD Novos Talentos
2008 :: Curadoria do segmento PENSAR DESIGN na Semana de Design de São Paulo - VIVER DESIGN EM SÃO PAULO
2008 :: Idealização e conceitualização da exposição "Cozinha! O extraordinário cotidiano".
2008 :: Grupo de debate: Psicanálise às Sextas-Feiras
2007 :: Lançamento da primeira etapa de pesquisas RISCO 21
2006 :: Lançamento MOVE - Movimento pela Criação Brasileira
2006 :: Grupo de debate: 8 temas de psicanálise lacaniana: uma introdução.